quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

The true Greek tongue

The true Greek tongue knows no gloss and serves no authorities and makes men free.
Samuel Berger

in Robert Coogan, Erasmus, Lee and the Correction of the Vulgate (1992).

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Le Chant de Virgile


Agradecimentos ao Pedro, que partilha connosco «O testemunho musical da recuperação e apreciação de Virgílio e Horácio no Renascimento, na grande polifonia franco-flamenga.»

Publius Vergilius Maro (Virgil, Aeneid 4, v.651-654)
Josquin Desprez: Dulces exuviae
Jehan Mouton: Dulces exuviae
Mabriano de Orto: Dulces exuviae

Quintus Horatius Flaccus (Horace)
Ludwig Senfl: Mollis inertia cum tantam diffuderit imis (Epodes, 14)
Senfl: Non usitata nec tenui ferar (Odes, 2, 20)
Senfl: Petti, nihil me sicut antea juvat (Epodes, 11)

Virgil (Aeneid 1, v.198-208)
Adriaan Willaert: O socii neque enim
Cipriano de Rore: O socii neque enim

School of Anacreon (6th century): 16th century French adaptation (anonymous)
Richard de Renvoisy: Vulcan fondz dedans ton four

Anonymous (French, end 14th century)
Anonymous (French, 1400): Lamech, Judith et Rachel

Horace (Odes, 3, 9)
Rore: Donec gratus eram tibi

Gaius Valerius Catullus (16th century French paraphrase)
Dominique Phinot: Vivons, m'amye et l'amour poursuyvons

Virgil (Aeneid 4, v.651-654)
Jakob Vaet: Dulces exuviae
Theodoricus Gerarde: Dulces exuviae
Roland de Lassus: Dulces exuviae

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Besides the Pope, who speaks Latin today?

Pedicone took issue with Cambridge University classicist Mary Beard, who was quoted by the BBC after the Pope’s resignation as saying, “One of the pleasures of Latin is that you don’t have to speak it.” “Pace Maria Barbatula, begging the pardon of Mary Beard,” he said, “one of the pleasures of Latin is you get to speak it, and by doing so, you get off the sidelines and make yourself an active player in this beautiful, glorious story of human history. Western civilization does not have to be a spectator sport.
Nós por cá tivemos o comentário de Mafalda Viana na mesma direcção há algumas semanas, que nos disse que "nós, efetivamente, não falamos latim e aquele que se aprende é apenas para aceder às obras e aos autores clássicos". E por cá repetimos: Pace Diário de Notícias, preferimos consentir com Maquiavel, "não me envergonha falar com eles e interrogá-los sobre os motivos das suas acções — que eles pela sua humanidá respondem." Só fica nas bancadas quem quer.

Apostas Para Amanhã

na rodagem de 'Argo' (2012): John Goodman, Alan Arkin e Ben Affleck (realizador).
[dois produtores de cinema, entre guiões, discutindo que filme realizar a seguir]
— How about "The Horses of Achilles"?
— Nobody does westerns anymore.
— It's ancient Troy.
— You have horses in it, it's a western.

diálogo de Argo (2012), de Ben Affleck.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Senhor que está em Delphos


Descoberta da estátua de Antínoo em Delphos pela École française de Athènes. [1889] 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

No Offense Taken






Aristotle's performance is quite different. It is not only that in his works Platonic glamour is conspicuous by its absence, and that instead we find (if such a thing may be said without offense of so great a figure) decorous, pedestrian, slightly mediocre, and more than slightly pompous common sense. Nor is it only that Aristotle much more than Plato — in any case, much more frankly than Plato — co-ordinated and discussed pre-existing opinions that prevailed in what must have been a copious literature. The essential difference is that an analytic intention, which may be said (in a sense) to have been absent from Plato's mind, was the prime mover of Aristotle's.

Joseph Schumpeter, History of Economic Analysis 57
Oxford, OUP: 1994.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Píndaro · Ísthmica Séptima


Qual, feliz Theba, dos longínquos
belos hábitos mais teu coração
alegra? que junto aos bronzes soantes do throno
de Damátara um dia com seus cabelos longos
ergueste Diónysos? ou que feito ouro à meia noite
chovido recebeste o mais poderoso dos deuses
quando às portas de Amphytrúon
se pôs e com a esposa deu a Hérakles o nascer?
ou com Tirésias de cerrados conselhos?
ou com Iólao cavaleiro astuto?
ou com os Semeados incansáveis lanceiros? ou quando, mais os seus poderosos
gritos Adrasto enviaste orfão
de incontáveis companheiros para Argos dos cavalos?
ou que a Dórica colónia fixaste
no tornozelo direito
dos Lakedemónios, e tomaram Amýklas
os Aiguidas teus herdeiros pelos oráculos Pýthios?        
mas porque a antiga
graça dorme, e os mortais não recordam
aquilo que o topo da sciência mais brilhante
com famosas torrentes de palavras não atinge,
celebra agora com um doce hymno
Strepsíades · pois levou em Isthmos
a vitória do pancrácio, assustador é ver sua força e
formosura · conduz a virtude sem repugnar a beleza.
brilha com as de negras tranças, as Musas,
e com seu  tio homónymo partilhou o ramo —
com quem Ares o de escudo de bronze a morte misturou,
a honra porém aos bons é juxtaposta.
fica pois a saber que quem nesta nuvem a
intempérie de sangue da amada pátria afasta,
ruína trazendo contra o inimigo exército,
à raça dos cidadãos a enorme fama aumenta
e está vivo quando morto.
tu assim, filho de Diótodo, o guerreiro
Meleagro louvando, e também Hektor louvando,
Amphiaraos também,
florida respiraste a juventude
a combater na companhia da vanguarda, onde os melhores
sustêm a bélica discórdia com as últimas esperanças ·
sofri porém um ataque indizível: mas agora
O Que Tem a terra calmaria proveu
depois da tempestade. cantarei com o cabelo em grinaldas
harmoniosas. que dos imortais a inveja não destrua
o deleite que a cada dia caço
e conduzo até à velhice e ao destinado
tempo. morremos igualmente todos,
mas o demónio é desigual. a grandeza se alguém
a vislumbra, é pouco para chegar ao assento dos deuses
de bronze: assim o alado Págaso atirou
o seu déspota que queria às celestiais moradas
chegar, Bellerophonte, e conversar
com Zeus. o que é para além da justiça
doce é mais amargo ainda no fim.
Mas a nós, tu que com dourado cabelo floresces, dá-nos, Lóxias,
nos teus desafios
uma florida Pýthica grinalda.

Píndaro. Ísthmica Séptima. Tradução minha.


τίνι τῶν πάρος, ὦ μάκαιρα Θήβα, 
καλῶν ἐπιχωρίων μάλιστα θυμὸν τεὸν 
εὔφρανας; ἦ ῥα χαλκοκρότου πάρεδρον 
Δαμάτερος ἁνίκ᾽ εὐρυχαίταν 
ἄντειλας Διόνυσον; ἢ χρυσῷ μεσονύκτιον νίφοντα δεξαμένα τὸν φέρτατον θεῶν, 
ὁπότ᾽ Ἀμφιτρύωνος ἐν θυρέτροις 
σταθεὶς ἄλοχον μετῆλθεν Ἡρακλείοις γοναῖς; 
ἢ ὅτ᾽ ἀμφὶ πυκναῖς Τειρεσίαο βουλαῖς; 
ἢ ὅτ᾽ ἀμφ᾽ Ἰόλαον ἱππόμητιν; 
ἢ Σπαρτῶν ἀκαμαντολογχᾶν; ἢ ὅτε καρτερᾶς Ἄδραστον ἐξ ἀλαλᾶς ἄμπεμψας ὀρφανὸν 
μυρίων ἑτάρων ἐς Ἄργος ἵππιον; 
ἢ Δωρίδ᾽ ἀποικίαν οὕνεκεν ὀρθῷ 
ἔστασας ἐπὶ σφυρῷ 
Λακεδαιμονίων, ἕλον δ᾽ Ἀμύκλας 
Αἰγεῖδαι σέθεν ἔκγονοι, μαντεύμασι Πυθίοις; 
ἀλλὰ παλαιὰ γὰρ 
εὕδει χάρις, ἀμνάμονες δὲ βροτοί, 
ὅ τι μὴ σοφίας ἄωτον ἄκρον 
κλυταῖς ἐπέων ῥοαῖσιν ἐξίκηται ζυγέν. 
κώμαζ᾽ ἔπειτεν ἁδυμελεῖ σὺν ὕμνῳ 
καὶ Στρεψιάδᾳ: φέρει γὰρ Ἰσθμοῖ 
νίκαν παγκρατίου: σθένει τ᾽ ἔκπαγλος ἰδεῖν τε μορφάεις: ἄγει τ᾽ ἀρετὰν οὐκ αἴσχιον φυᾶς. 
φλέγεται δὲ ἰοπλόκοισι Μοίσαις, 
μάτρωΐ θ᾽ ὁμωνύμῳ δέδωκε κοινὸν θάλος, 
χάλκασπις ᾧ πότμον μὲν Ἄρης ἔμιξεν, 
τιμὰ δ᾽ ἀγαθοῖσιν ἀντίκειται. 
ἴστω γὰρ σαφὲς ὅστις ἐν ταύτᾳ νεφέλᾳ χάλαζαν αἵματος πρὸ φίλας πάτρας ἀμύνεται, 
λοιγὸν ἄντα φέρων ἐναντίῳ στρατῷ, 
ἀστῶν γενεᾷ μέγιστον κλέος αὔξων 
ζώων τ᾽ ἀπὸ καὶ θανών. 
τὺ δέ, Διοδότοιο παῖ, μαχατὰν 
αἰνέων Μελέαγρον, αἰνέων δὲ καὶ Ἕκτορα 
Ἀμφιάρηόν τε, 
εὐανθέ᾽ ἀπέπνευσας ἁλικίαν 
προμάχων ἀν᾽ ὅμιλον, ἔνθ᾽ ἄριστοι 
ἔσχον πολέμοιο νεῖκος ἐσχάταις ἐλπίσιν. 
ἔτλαν δὲ πένθος οὐ φατόν: ἀλλὰ νῦν μοι 
Γαιάοχος εὐδίαν ὄπασσεν 
ἐκ χειμῶνος. ἀείσομαι χαίταν στεφάνοισιν ἁρμόσαις. ὁ δ᾽ ἀθανάτων μὴ θρασσέτω φθόνος, 
ὅ τι τερπνὸν ἐφάμερον διώκων 
ἕκαλος ἔπειμι γῆρας ἔς τε τὸν μόρσιμον 
αἰῶνα. θνᾴσκομεν γὰρ ὁμῶς ἅπαντες: 
δαίμων δ᾽ ἄϊσος: τὰ μακρὰ δ᾽ εἴ τις 
παπταίνει, βραχὺς ἐξικέσθαι χαλκόπεδον θεῶν ἕδραν: ὅτι πτερόεις ἔρριψε Πάγασος 
δεσπόταν ἐθέλοντ᾽ ἐς οὐρανοῦ σταθμοὺς 
ἐλθεῖν μεθ᾽ ὁμάγυριν Βελλεροφόνταν 
Ζηνός: τὸ δὲ πὰρ δίκαν 
γλυκὺ πικροτάτα μένει τελευτά. 
ἄμμι δ᾽, ὦ χρυσέᾳ κόμᾳ θάλλων, πόρε, Λοξία, 
τεαῖσιν ἁμίλλαισιν 
εὐανθέα καὶ Πυθόϊ στέφανον.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

As Promessas de Berlusconi

Há algum tempo, Berlusconi voltou a dar que falar com os seus louvores de Mussolini. Parece porém que nem o seu revisionismo se fica pelo fascismo, nem a sua capacidade virtualmente infinita de prometer se limita às futuras eleições de Fevereiro. Fomos ouvir o Cavaliere.






Obrigado, Grécia!


Alunos de Múrcia agradecem à Grécia nestes tempos difíceis. E nós com eles.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A Aprendizagem das Línguas Clássicas em Inglaterra no sec XIX

Uma demonstração prática daquele último post.


Yet the method according to which they are generally taught in English public schools is so unattractive, and, in my opinion, so inefficient, that had I been subjected to it much longer I should probably have come to loathe all foreign languages, and to shudder at the very sight of a grammar. It is a good thing for the student of a language to study its grammar when he has learned to read and understand it, just as it is a good thing for an artist to study the anatomy of the human body when he has learned to sketch a figure or catch the expression of a face; but for one to seek to obtain mastery over a language by learning rules of accidence and syntax is as though he should regard the dissecting-room as the single and sufficient portal of entrance to the Academy. [...]

When any intelligent being who is a free agent wishes to obtain an efficient knowledge of a foreign language as quickly as possible, how does he proceed? He begins with an easy text, and first obtains the general sense of each sentence and the meaning of each particular word from his teacher. In default of a teacher, he falls back on the best available substitute, namely, a good translation and a dictionary. Looking out words in a dictionary is, however, mere waste of time, if their meaning can be ascertained in any other way; so that he will use this means only when compelled to do so. Having ascertained the meaning of each word, he will note it down either in the margin of the book or elsewhere, so that he may not have to ask it or look it out again. Then he will read the passage which he has thus studied over and over again, if possible aloud, so that tongue, ear, and mind may be simultaneously familiarised with the new instrument of thought and communication of which he desires to possess himself, until he perfectly understands the meaning without mentally translating it into English, and until the foreign words, no longer strange, evoke in his mind, not their English equivalents, but the ideas which they connote. This is the proper way to learn a language, and it is opposed at almost every point to the public-school method, which regards the use of "cribs" as a deadly sin, and substitutes parsing and construing for reading and understanding.

Edward G. Browne (1862-1926), A Year amongst the Persians (London: Adam and Charles Black, 1893)

O texto citado por extenso encontra-se em Laudator Temporis Acti.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

David Morgan †06.02.2013

Hac tristissima die notissimus ille David Morgan, summus Latinitatis vivæ cultor, amicus benefactor benemeritus fautor omnium qui sese student profecisse in studiis Ciceronis atque Erasmi linguæ restituendæ, vitā functus est. Mæror nos rapit, sed cum tantus amor ejus, proinde ac antiquis sunt soliti Romani temporibus agitare ad inferias, fabulam conabor quæ mihi semper in mente revocatur cogitanti de Latinitate viva restituenda, cui semper David ille diuturnam atque segnem dedit opem.

Apud quendam de Latinitate in Civitatibus Foederatis conventum David ille in consessu alicujus audiebat contionem de nova quadam methodo ad notitiam latinæ impetrandam destinatam. Ut solitum, agebat de memoriæ mandandis legibus grammaticis, de vertendo, de uso lexici quasi appetitio naturalis exercendo. Davidi ita contendenti se credere melius fore imprimis operam dare linguæ ipsi usu vivo quam operam ac oleum his ritibus perdere, orator respondit «nullam posse linguæ notitiam teneri quæ non firmis jaceat fundamentis grammaticis, quæ legum careat optima peritia.» Nec est cunctatus David, recrepuitque se nullo modo posse recitare "tertiam declinationem" (sicut discipulos cogunt ut assuescant, ovis, ovis, ovem) nec hujusgeneris alia - vero hæc omnia dicens, dum latine loquitur, latineque suam habet oratinem usus Latinitate quadam mira atque elegantissima. Quo probare possint in quanta fulciretur veritate.

Magnum ejus opus ab omnibus maximi æstimatum conferimus Lexicon Latinum, sive Recentioris Latinitatis, Anglice-Latine, probatissimis scriptoris dumtaxat nixum, quod lexicon apud sedem retialem Davidis invenitur, seu hic ut pdf. Talis est vir qui hodie nos reliquit. 

Ave atque vale.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O Latim está morto. Viva o Latim!

Não, infelizmente ainda não é para falar do famoso livro de Wilfred Stroh, Latein ist tot, es lebe Latein, mas para falar dos artigos que ontem aqui publicitámos publicados pelo suplemento QI do Diário de Notícias. Uma das grandes novidades, em minha memória realmente algo novíssimo em Portugal fora o que ainda pela Origem vamos dizendo (mas corrijam-me!) foi um passo no artigo de Susana Salvador Da épica 'Eneida' aos crimes de 'Capti' abordando aquilo que em tempos recentes nos habituámos a chamar Latim vivo. À cabeça do artigo lemos que Stephen Berard «quer provar que o latim não é uma língua morta, que pode e deve ser ensinada como uma verdadeira língua e não apenas com a intenção de traduzir o que foi feito no passado.»

A própria expressão Latim vivo é provocatória: amantes do latim por este mundo fora defendem-se da acusação de que estudam "línguas mortas" argumentando que «o latim não está morto, pois está presente nas línguas contemporâneas, no vocabulário científico.» A verdade porém é que a atitude que predomina no nosso envolvimento com as línguas clássicas implica um distanciamento tal, até mesmo metodológico, que nem o Vergílio Ferreira escapa a tratar as línguas clássicas como mortas: talhamos, dissecamos, recusamo-nos a falar-lhes. Falar de "Latim Vivo" significa, então, a fortiori algo de antagónico e fundamentalmente diferente daquilo que faz a maior parte das pessoas que defende com unhas e dentes que «o Latim não está morto.»

Mas é uma expressão com sentido? Voltemos ao livro de Wilfred Stroh, que apesar de ter uma introdução que a meu ver contradiz o restante cunho da obra pode ainda assim ser encarado como um adequado manifesto da ideologia do autor, um académico alemão cuja fluência oral em Latim apenas muito raramente fica aquém do seu discurso alemão, e que nesse ponto suscita comparação com outros grandes latinistas contemporâneos como são Reginald Foster e Luigi Miraglia.


O seu argumento é um argumento de elegância simples, irrefutável como o dito de Arquíloco de que «πόλλ' οἶδ' ἀλώπηξ, ἀλλ' ἐχῖνος ἓν μέγα» [a raposa sabe muitos truques, o ouriço sabe um só mas bom]: a premissa simples de que, se seguimos a sensata definição duma língua morta como uma língua que já não tem falantes nativos, então o Latim morreu algures entre o século V e o VII. Há muitas tentativas de iludir esse facto através de argumentos cada vez mais rebuscados, mas o problema é esses argumentos (como a facilidade posterior em aprender outras línguas, a suposta "matematicidade" da língua, ou as marcas de gelados ou de videojogos em pseudo-latim) serem  fundamentalmente contra-produtivas se extraídas da função didáctico e trazidas para a praça pública, e facilmente refutáveis — aprendamos então outras línguas em vez de o fazermos por proxy, estudemos matemática, e assim por diante.


A virtude real do Latim não está nas consequências secundárias, mas nasce do facto de muito cedo ter sido retirado à propriedade dum povo específico. A alvorada da Idade Média iluminou muitos ditos bárbaros melhor conhecedores da língua de Cícero que os próprios italianos que lhe tinham dado o ser, e nem mesmo as tentativas italo-renascentistas de associar o renascimento do Latim ao studium Italicae patriae (vulgo patriotismo) como o vemos nas obras de Petrarca e de Lorenzo Valla foi capaz de impedir que a estrela mais fulgente da Renascença fosse um bárbaro septentrional como Erasmo de Roterdão.

A grande virtude desse sistema foi a posse duma língua neutra, à qual todos necessariamente acediam em pé de igualdade: assim pensando, a utilização do Latim pós-Império foi bastante mais justa que a sua imposição vi ac armis durante a Antiguidade. Observamos a partir da Baixa Idade Média, com a primeira grande formulação na figura do tratado dantesco De Vulgari Eloquentia algo que costuma escapar aos inimigos do Latim, que é que o uso do Latim não abafa o uso das línguas vulgares nem vice-versa: são apenas bem-delimitados os campos em que cada uma das línguas deverá ser utilizada. O vernáculo era utilizado quando o texto se destinava aos nossos compatriotas, o Latim quando havia pretensões de disseminação mais alargada. No século XV a Chancelaria de Florença estabelece essa política simples: italiano para a Toscana, Latim para outros. Até ao século XVIII figuras como Descartes e Kant sentem-se necessitados de verter para Latim quando se apercebem de que o interesse suscitado pelas suas obras poderá passar além fronteiras. Que a literatura latina renascentista nos encha tão raramente as medidas é prova disso: para a literatura, urbi, havia os vernáculos. Para a ciência natural, filosofia, artes, que almejavam ao mundo, orbi, o Latim.

Especialmente a partir do Renascimento os campos demarcaram-se na maneira relativamente sensata que referia, mas a partir do Romantismo, as mesmas pessoas que protestavam contra o Latim como algo "inacessível" o mais das vezes tinham como objectivo nada mais do que a imposição da sua própria língua além-fronteiras: vê-se, por exemplo, na política de imposição linguística imposta por França no século XVII, onde os embaixadores, embora soubessem Latim, exigiram que os endereçassem em Francês. O resultado foi o esperado, eliminado o Latim de maneira alguma os povos se libertaram da "tirania" duma língua exterior, aconteceu apenas que foram tirados da situação relativamente igualitária de estarem todos no mesmo barco na aprendizagem da língua franca, para passarem a estar à deriva e sujeitos às sucessivas potências mundanas, ora a França, ora os Estados Unidos, em breve a China, que vão aliando o poder económico à força bruta derivada de os nativos dessa língua terem a economia a apoiá-los contra os demais. Hoje em dia portugueses que aprenderam o Francês como língua franca sentem-se muitas vezes perdidos face à omnipresença do inglês. E a situação rodará.

Mas isto é diagnóstico: a conjuntura histórica que permitiu que o Latim fosse adoptado pelos povos da Europa como língua de cultura (como língua artificial, segundo o mesmo Dante) não se voltará a repetir; e não vivemos em nostalgias nem em saudosismos supervacâneos de pretender restaurar aquilo que já está morto e enterrado: o Latim não voltará a ser língua oficial de coisa alguma, portanto o nosso problema é agora essencialmente histórico. Histórico e académico. Pois apercebemo-nos de que os guardiães do Latim, metamorfoseados de humanistas em filólogos, a partir do momento em que o Latim perdeu a utilidade prática que tivera, descartaram-se de o utilizar como dantes, e concentraram-se naquela que é a grande razão para o estudar, e que eclipsa todas as outras: aceder ao imenso rio de literatura latina composto ao longo de mais de dois milénios. Se o objectivo passou a ser histórico-literário, então a uma primeira vista pode parecer compreensível que deixemos de utilizar de modo vivo o Latim: se já não serve para nada falá-lo, para que serviria?

A falha do raciocínio implícito na transformação de Litterae Humaniores em Altertumswissenschaften foi algo que deve ter sido considerado à primeira vista tão insignificante que foi descartado: pensou-se que a quebra de necessidade de aprender a falar e a escrever Latim libertaria tempo para outras actividades relacionadas com a mesma língua, críticas e menos fúteis. Aquilo que não foram porém capazes de prever foi que no espaço de poucos anos (os primeiros alertas para a decadência cada vez mais acelerada do conhecimento do Latim soam por volta de 1870~) os alunos e os próprios professores tivessem de lidar com dificuldades cada vez maiores já nem digo na leitura, mas na própria tradução do Latim (e do Grego, claro está: há fraseologias de Grego Antigo publicadas até ao século XVIII).

Como sanar? Paradoxalmente, já o entendimento do que a língua era ou podia ser estava tão pervertido que a solução encontrada foi exagerar o problema: mais filologia histórica, mais análise gramatical, mais horas semanais de Latim (é aqui, e não antes, que nasce o rosa, rosae: alunos anteriores, pelo menos desde Coménio, teriam começado com um relativamente amável Salve! Quod est nomen tuum?). Abundam nos corredores de Estudos Clássicos lendas daqueles semi-deuses que aos 15 anos já escreviam hexâmetros e já tinham lido toda a Literatura Latina, e lamentamos a ignorância dos nosso alunos porque  tanto estudam e não lhes chegam aos calcanhares. Mas se o estudo da Antiguidade nos revela algo é que a Humanidade é sempre igual, nem melhor nem pior: se eles tinham mais sucesso era porque faziam algo que nós não fazemos, e que assim dito hipoteticamente poderíamos voltar a fazer.

Os melhores dos humanistas não cometeram este erro: sabiam que para dominarem uma língua era necessário praticá-la viva e activamente, mesmo fora de qualquer interesse prático. Já bem depois da queda de Constantinópola e do Grego ter deixado de ter qualquer interesse mercantil ou diplomático, o célebre Aldo Manuzio fundou em Veneza a Nea Akademia [Nova Academia], onde o Grego Antigo era a língua oficial, com multas monetárias para os infractores. Erasmo frequentou-a durante bastante tempo, e tornou-se assim não apenas o maior Latinista, mas possivelmente também o maior Helenista da sua geração. Nós consagramos o seu nome nas nossas Universidades mas esquecemos as suas lições.

É por isso que acredito que, quando lemos Mafalda Viana* para o efeito de que "nós, efetivamente, não falamos latim e aquele que se aprende é apenas para aceder às obras e aos autores clássicos", há uma confusão perigosa: concordo plenamente quando diz que aprendemos latim para aceder às obras e aos autores que escreveram em Latim, mas mantenho-me convicto que sem falar Latim não conseguiremos atingir esse objectivo. Quando não falamos uma língua, quando nos limitamos a traduzi-la, o salto mental é duplo: do Latim para a tradução vernácula, da tradução para a compreensão. Por não termos as palavras presentes na memória, o recurso ao dicionário e às gramáticas torna-se algo incomportável e extremamente anti-pedagógico. Quando aprendemos línguas contemporâneas, obrigam-nos a imergirmo-nos o mais possível nessa língua, de maneira a interiorizarmos as suas estruturas sintáticas e a tornarmo-nos independentes no domínio dessa língua.

E assim acontece. O encantador blog Laudator Temporis Acti citava há tempos um classicista do século passado (infelizmente não fui capaz de recuperar a ligação) que brincava dizendo que o «o segredo que os classicistas mantém bem-escondido dos seus colegas de outros departamentos é que não dominam as suas línguas [Latim e Grego] tão bem quanto os outros as deles)». Isto não tem outra causa fora o facto de termos há muito tempo prescindido do uso vivo do Latim (e do Grego): e tem a consequência de não sermos tão bons profissionais quanto poderíamos ser, e de não termos acesso aos textos com a facilidade que poderíamos ter: tentamos cativar alunos para Estudos Clássicos assegurando-lhes que terão acesso a um património cultural imenso, mas um aluno que termina hoje Clássicas depara consigo mesmo apenas marginalmente menos dependente de traduções dos textos antigos do que os seus pares, e isto vê-se no "culto dos Loebs" (edições bilingues) em detrimento de edições críticas.

O que fazer? Felizmente parece haver luz ao fundo do túnel. Países como a Itália, principalmente sob a liderança da Academia Vivarium Novum, têm divulgado o regresso aos métodos vivos de ensino do Latim, com o seu estrondoso sucesso a demonstrar-se, entre outras, no facto de os vencedores do último Certamen Ciceronianum terem sem excepção utilizado o método vivo. Em Espanha, como já aqui fizémos menção, crescem os Circuli Latini quer junto de alunos quer de professores, e o mesmo se passa nos Estados Unidos com o Institutum Latinum da Universidade de Kentucky e com pessoas como David Morgan. Uma das grandes armas é sem dúvida o livro Lingua Latina Per Se Illustrata, o livro publicado por Hans Orberg na década de 50 do ano passado que descarta por completo a tradução, e subordina a dissecação gramatical à compreensão e reprodução de textos. Falta agora nós darmos o passo.

Desta maneira o resultado normal é bastante animador: a prática da língua leva a que nos tornemos mais conscientes dos textos com que lidamos, adquirindo por exemplo a capacidade de identificar usos irónicas do vocabulário ou outros tropos fora do comum (que, normalmente, nos levariam apenas a mais uma vaga passagem pelo dicionário), e a tornarmo-nos mais independentes das traduções feitas para línguas contemporâneas — o que, por sua vez, nos tornará mais aptos a traduzir cada vez mais obras para o uso dos nossos pares que desconheçam as línguas antigas. Parece-me que tudo a ganhar em enveredar por esta via, e tudo a perder se a preterirmos, alunos, interesse pedagógico e comunitário cada vez mais decadente, já para não falar dos efeitos sociais que brotam da ausência dum conhecimento mais generalizado das línguas antigas por parte das secções da população que as estudam: se todos os alunos que estudam Latim e Grego fossem capazes de ler Platão e Vergílio com facilidade (e isso não é de todo impossível), e passassem o seu interesse a outros, onde pararia o mundo?

* A Professora da Universidade de Lisboa lançou entretanto uma declaração onde se afastava da utilização dada às suas palavras pelo Diário de Notícias. «Por a peça jornalística com o título “O latim é o chão comum da Europa”, publicado entre as páginas 6 e 8 do suplemento Quociente de Inteligência do Diário de Notícias de sábado, dia 2 de fevereiro, constituir em sua grande percentagem discurso que não é meu e no qual, além de eu não encontrar o meu pensamento, surgem várias ideias pouco rigorosas, solicito ao Diário de Notícias que publique este meu testemunho e esclarecimento.» Mafalda Viana

Latim no CCB

roubado aos Otia Officii.
Não se trata de uma aula convencional de latim nem o objectivo deste ciclo será propriamente ensinar o latim (o que não é vocação do CCB nem seria viável neste contexto). Entende-se que é importante mostrar que a língua que falamos tem uma memória que condiciona de facto o nosso pensamento. Partindo daqui, é possível ir ao encontro de vários aspectos reveladores de uma ligação entre cultura e língua impossível de desfazer. Cada sessão poderá assim ter um tema central, situado num texto.
As aulas serão oferecidas por Mafalda Viana da FLUL.

Periodicidade semanal (Quarta-feira)
Duração: 1h00
Para todo o público (mediante inscrição)

IX Jornadas de Cultura Clásica

Espanha, que apesar de todas as investidas que por lá se fazem contra os Estudos Clássicos, continua na vanguarda das tentativas crescentes a nível mundial de os repensar fora do modelo gasto em que vão sobrevivendo pelo mundo fora, volta a organizar as Jornadas de Cultura Clássica em Málaga. A esta conferência acrescentar-se-á uma outra em Maio em Valência, da qual a boa hora daremos também notícia.

[...] Este año podremos asistir a la emisión en directo de un programa de noticias en latín, a cargo de Cristóbal Macías (Universidad de Málaga). Le seguirá un debate, también en latín, en el que participarán integrantes de distintos Circuli Latini españoles, invitados para la ocasión: Juan J. Cienfuegos (Circulus Latinus Xerensis), Rodrigo Portela (Circulus Latinus Vallisoletanus), Óscar Ramos (Circulus Latinus Legionensis), Sandra Ramos (Universidad de Cádiz, Circulus Latinus Gaditanus), José A. Rojas (Circulus Latinus Gaditanus) y Pablo Villaoslada (Circulus Latinus Matritensis). [...]

Entre sus objetivos, figuran el análisis de los referentes de la cultura clásica como elementos imprescindibles para comprender la cultura occidental y el conocimiento de las nuevas tendencias metodológicas en la didáctica de la cultura y las lenguas clásicas, así como el fomento del conocimiento, el uso y la divulgación de las TIC en la práctica docente. Además, y por noveno año consecutivo, las Jornadas pretenden ser un punto de encuentro y de intercambio de experiencias del profesorado de clásicas de todo el país.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Latim no Diário de Notícias

O suplemento QI – Quociente de Inteligência do Diário de Notícias do dia 2 de Fevereiro de 2013 aborda o problema do Latim. Lemos as palavras de Cristina Pimentel e de Mafalda Viana. Arrisco-me a dizer que jamais desde que entrei nestas lides as línguas clássicas aproveitaram tão bem a oportunidade que lhes foi oferecida para dizerem palavras tão acertadas. Merecem, não duvido, as professoras e o jornal, os nossos sinceros agradecimentos por darem a voz a eloquência e a razão à praça pública.